Colunas

O mato e os veados

O problema das bancadas que votaram no Código "Anti-Florestal" não é com a gestão ambiental. É com o pavor que sentem da possibilidade de vislumbrar um Brasil mais moderno.

2 de junho de 2011 · 13 anos atrás
  • José Truda Palazzo, Jr.

    José Truda é jardineiro, escritor, consultor em meio ambiente especializado em conservação marinha e tratados internacionais, e indignado.

O bom Allah e os leitores mais assíduos de ((o))eco são testemunhas de que este colunista não nutre particular afeto pela trajetória de Dilma Rousseff, responsável maior pela maquinação das políticas anti-ambientais do reinado lullesco que prossegue. Dados os acontecimentos recentes na capital de nossa combalida Banânia, forço é reconhecer, entretanto, que outra força hercúlea se alevanta na Esplanada dos Ministérios, entrincheirada naquele edifício cujas fluidas linhas não ocultam sua verdadeira natureza de caverna de pitecantropos (se me perdoam a comparação nossos ancestrais hominídeos): o Congresso Nacional.

Poucas pessoas teriam paciência para acompanhar ao vivo a votação recente do Código Anti-Florestal. Quem o fez, entretanto, foi brindado com uma rara visão de por que as normas ambientais brasileiras estão fadadas ao enfraquecimento, bem como o estão quaisquer normas legais destinadas a fazer desta coisa a que chamamos “país” algo menos retrógrado, violento, corrupto e sujo.

“Ou nós, a microscópica minoria esclarecida nesse mar de alienados e pedintes, nos unimos para construir uma sociedade moderna, sustentável, diversa e libertária, ou nem a biodiversidade nem a liberdade individual terão qualquer futuro.”

Durante o encaminhamento da votação ouviu-se de tudo, principalmente mentiras e bobagens, regadas a perdigotos das bocas furibundas dos deputados da bancada financiada pelos fazendeiros e especuladores rurais, principalmente os do Sul. Os maus gaúchos foram verdadeiros expoentes do teatrinho, vociferando contra os “interesses estrangeiros” e choramingando pelos “pequenos agricultores” (outros, interessados em manter sua fachada falsa de vanguarda, cuspiram nos eleitores apenas com seu voto “sim” à devastação). Perfeita expressão do fascismo pós-moderno que, à sombra do besteirol anti-ambiental dos discursos de Lulla, floresceu em Brasília impune, permitindo que os debates sobre gestão ambiental sejam feitos tão somente de mentiras e demagogias sobre a pobreza e o “pogreço”.

O esclarecimento que me faltava, entretanto, sobre como chegamos a esse ponto, veio logo depois, com as intervenções extemporâneas das ditas bancadas “católica” e “evangélica” para desancar o Ministério da Educação e sua iniciativa anti-homofobia. Nas palavras de contumazes parasitas do dinheiro público, ficou tudo claro: o problema dessa gente não é com a gestão ambiental. É com o pavor que sentem da possibilidade de vislumbrar um Brasil mais moderno.

Um Brasil que respeite o meio ambiente e busque alternativas racionais de desenvolvimento, eduque sua população para as ciências, artes, História e cidadania, combata a discriminação sexual, religiosa ou política, e penalize a ineficiência e a corrupção do Estado são, como um todo, anátema para um Congresso Nacional e uma classe política cuja raison d´être é justamente o atraso, a falsidade, o preconceito, a ignorância, o desconhecimento. A corja que defende o “dezenvorvimento” com geração de energia suja e destruição da biodiversidade é a mesma que quer seguir agredindo (verbal e fisicamente) os homossexuais (mesmo que uma semana depois desse episódio na Câmara dos Deputados um ex-deputado federal dos “evangélicos” tenha sido preso em Santa Catarina por pedofilia contra crianças pobres, e aqui em Porto Alegre abundem as versões sobre visitas de políticos “de bem” aos travestis da avenida Farrapos para satisfazerem suas, well, necessidades ocultas).

A canalha que impede a adoção de práticas sustentáveis como política nacional para a agricultura e a indústria é a mesma que defende as licitações fraudadas, a ausência de transparência, o jabá abjeto das grandes corporações. Como aprendemos em Ecologia Básica, assim na Biosfera planetária como na Ladrosfera de Brasília, tudo está interligado. Para a choldra parlamentar majoritária, as fabulosas, inestimáveis florestas nativas do Brasil são apenas “mato” a ser derrubado para vender soja barata a chinês; os cidadãos que têm orientação sexual diferente da deles (ou que eles não têm coragem de assumir), apenas “veados” a serem espezinhados, intimidados e escondidos das crianças.

Sempre fui daqueles que achava que a defesa da Natureza deveria seguir rumo próprio, sem se misturar muito com os demais ditos “movimentos sociais” pra não perdermos identidade, espaço ou seriedade. Ao ver e ouvir que gama de idéias típicas de tarados e ordinários que temos hoje representadas no Congresso Nacional, mudei de opinião em definitivo. Ou nós, a microscópica minoria esclarecida nesse mar de alienados e pedintes, nos unimos para construir uma sociedade moderna, sustentável, diversa e libertária, ou nem a biodiversidade nem a liberdade individual terão qualquer futuro. 

Lulla e Dilma, supostamente da “isqêrda”, criaram com seu discurso – e sua prática de oito anos de “alianças” com o que há de pior na política nacional – essa quase unanimidade brasiliense contra um Brasil moderno e sustentável, e seu Frankenstein do atraso, agora dominado por seus “aliados” da extrema-direita corporativa e pseudo-religiosa, ameaça fugir a todo controle social. É hora de darmos um basta a tudo isso. Aos “comunistas” vendidos ao latifúndio devastador, aos “religiosos” cúmplices da corrupção com seu discurso homofóbico santarrão, aos “líderes de partido” que mais se assemelham a líderes de quadrilha. Não sobrará árvore em pé, nem liberdade individual assegurada, se não nos unirmos para botar pra correr dos parlamentos e estruturas de governo quem prega, com a mesma desfaçatez, o ódio ao “mato” e aos “veados”.

Leia também

Notícias
24 de abril de 2024

Na abertura do Acampamento Terra Livre, indígenas divulgam carta de reivindicações

Endereçado aos Três Poderes, documento assinado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e organizações regionais cita 25 “exigências e urgências” do movimento

Reportagens
24 de abril de 2024

Gilmar suspende processos e propõe ‘mediação’ sobre ‘marco temporal’

Ministro do STF desagrada movimento indígena durante sua maior mobilização, em Brasília. Temor é que se abram mais brechas para novas restrições aos direitos dos povos originários

Notícias
24 de abril de 2024

Cientistas descobrem nova espécie de jiboia na Mata Atlântica

A partir de análises moleculares e anatômicas, pesquisadores reconhecem que jiboia da Mata Atlântica é diferente das outras, e animal ganha status de espécie própria: a jiboia-atlântica

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.